Por Eduardo Júlio – poeta e jornalista
Se no ano passado o Festival de Música Barroca de Alcântara
deu passos largos ao incluir na programação grupos latino-americanos, em 2016 o
perfil internacional do evento se ampliou, ao trazer músicos norte-americanos,
norte-africanos e do Oriente Médio. Neste ano, o tema do evento, realizado de
21 a 27 de julho, foi “Diálogos Musicais entre Oriente e Ocidente” e o público
maranhense teve a oportunidade - provavelmente pela primeira vez - de fazer uma
audição, ao vivo, de sons tradicionais do Oriente Médio e do Norte da África.
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Público prestigiou as apresentações nos três dias do festival |
O objetivo foi homenagear a cultura árabe-andaluz, que por
mais de 700 anos foi predominante na Península Ibérica. O repertório do
festival também contemplou a música judaica-sefaradita, do período medieval e
renascentista ibérico, que também possui moldes árabes.
Além de apresentar formas musicais dos antepassados
ibéricos, o objetivo foi fazer uma reflexão sobre o momento político atual do
mundo e conclamar a paz e o bom convívio entre os povos. Afinal, culturalmente,
existem muitas diferenças entre o Ocidente e o Oriente, mas há vários aspectos
semelhantes também, principalmente no passado.
EXOTISMO
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Festival é oportunidade para conhecer os instrumentos e artistas de música antiga |
Em São Luís, o primeiro dia do evento, realizado na Igreja
da Sé, foi aberto com o grupo paulista Yaqin Ensemble, liderado por Mário
Aphonso III, um músico brasileiro, descendente de ciganos, profundo conhecedor
dos elementos musicais do Oriente Médio, tendo estudado com músicos turcos e
árabes.
Os integrantes do grupo se apresentaram com vestimentas do
Oriente Médio, utilizando diversos instrumentos da região, como derbake, alaúde
e saz, ney, aliados à rabeca brasileira e ao violoncelo barroco. A bela e
impecável apresentação foi muito aplaudida pelo público que disputou espaço na
catedral de São Luís.
Em seguida, foi a vez do Boston Camerata, fundado nos
Estados Unidos em 1954, fazer um passeio por cânticos inspirados no Alcorão,
pelo repertório judaico-sefaradita e pelas famosas “Cantigas de Santa Maria”,
canções galego-portuguesas compostas, em homenagem à Virgem Maria, na corte do
rei espanhol Afonso X. Integram o grupo o simpático Joel Cohen, a cantora Anne
Azéma e o cantor e instrumentista Boujemaa Razgui, nascido no Marrocos, que já
colaborou com artistas pop como Shakira e Beyoncé.
No segundo dia, cujo palco foi o Teatro Arthur Azevedo, a
abertura ficou por conta do projeto Encontro Oriente Ocidente (Brasil-Síria),
inspirado no encontro executado, nos anos 60, pelo músico indiano Ravi Shankar
e o violinista judeu Yehudi Menuhin. Pois, desta vez, a cantora lírica
paranaense Marília Vargas, que sempre vem ao festival maranhense, dividiu a cena
com a cantora síria Oula Al-Saghir, apresentando músicas do repertório
judeu-sefaradita e canções árabes tradicionais. Na base, estavam os músicos
Guilherme de Camargo (cordas), que também já veio várias vezes ao evento, e
Dyocleir Baulé (flautas). Foi realmente lindo.
Para encerrar, teve o cantor sufi (corrente mais mística e
espiritual do islamismo) Abderrahim Abdelmoumen, do Marrocos. Acompanhado pelos
músicos Yacoubi Otmani (alaúde) e Bakale Moheen (derbake) o artista de voz
intensa, realizou uma cerimônia rígida, hipnótica e transcendente no teatro.
Um ponto baixo do festival foi o seminário cuja atração
principal era a fala da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Beatriz Bissio, autora do livro “O mundo falava árabe”, ocorrido no dia
25, no Convento das Mercês. Talvez pelo horário, pelo local ou pelo período
(férias) a importante palestra da historiadora foi pouco aproveitada, com
público pequeno e desinteressado, apesar da presença dos jovens que integram a
Banda do Bom Menino. Merecia uma ponte com, pelo menos, os cursos de História e
Jornalismo das instituições de ensino superior locais.
No entanto, várias outras importantes ações sociais foram
realizadas ao longo do festival, nas cidades de Bacabeira, Alcântara, Rosário e
São Luís, entre concertos, conversas e oficinas, oferecendo música erudita a um
público que, provavelmente, não costuma manter contato com este tipo de
sonoridade.
CRÍTICAS
Ouvi alguns puristas afirmando, contrariados, que o festival
não é propriamente de música barroca e que, portanto, faria propaganda
enganosa. Pois respondo: o evento, de fato, é mais abrangente do que o enorme
universo do Barroco. Na prática, é um festival de Música Antiga, denominação
que engloba os períodos medieval, renascentista e barroco. Não posso falar pela
organização, mas acredito que, para facilitar o entendimento do grande público,
o produtor Bernard Vassas tenha optado pela referência ao Barroco, nome mais
popular do que o termo Música Antiga.
Não está preciso, é certo, mas não está totalmente errado.
E, de fato, a programação deste ano não contou com música barroca, chegando, no
máximo, ao período renascentista, além de ter oferecido um cardápio variado de
sons tradicionais do Oriente Médio e do Norte da África, que atravessam
séculos. Como já afirmei, o público maranhense talvez nunca tenha
experimentado, anteriormente, ao vivo, a audição deste tipo de música.
Outra questão é que os festivais de música costumam ser
muito mais abrangentes do que os gêneros aos quais se referem. O Rock in Rio
nunca foi somente de rock e o célebre Festival de Jazz de Montreux, na Suíça,
também não é só de jazz. Isso, só para ficar nos exemplos básicos.
Para evitar surpresas, basta manter-se informado e conhecer a proposta de cada edição e, apesar de alguns poucos equívocos, informação é o que não falta na divulgação do Festival de Música Barroca de Alcântara. Por fim, o tema já dava a dica.