Adalberto, seu fiel ajudante e Eduardo Julio: o bar era lugar para beber, conversar e pensar |
O bar já
existia, mas não me lembro exatamente do ano em que o seu Adalberto surgiu como
proprietário daquele adorável boteco sujo, humilde e improvisado, localizado na
Praia Grande. Acho que foi por volta de 1993. Embora bastante sério, aquele
senhor conquistou a simpatia de muitos que gostavam de beber uma cerveja ou
doses de cachaça da terra, aproveitando o fim de tarde no Centro Histórico de
São Luís, quando “o céu desaba o seu azul sobre os telhados do mundo”, como um
dia escreveu o poeta Roberto Piva.
Naqueles
tempos, a Praia Grande era um espaço lúdico e sereno. Estava longe de se tornar
reduto de ladrões e de viciados em crack. A malandragem era outra. Artistas e
universitários disputavam espaço nos botecos, dando luz à vida boêmia da
cidade.
O bar era "sagrado" para o encontro de amigos na Praia Grande boêmia |
No Bar
do seu Adalberto, jovens e senhores conviviam em harmonia, dividindo mesas na
calçada da rua atrás do Odylo, ou as poucas banquetas do balcão, conversando
sobre literatura, cinema, fotografia e música. Às vezes, a respeito de
política. E, é claro, sobre todos os amores do mundo.
Ele
tinha fama de vender cerveja quente. O freezer do bar, de fato, nunca funcionou
direito. Chamávamos de as naturais do seu Adalberto. O banheiro também era um
horror. Mas ninguém deixava de beber por lá. O local foi ponto de encontro,
durante mais de 12 anos, de artistas, poetas, jornalistas, músicos, militantes,
vagabundos, hippies, estivadores, estudantes, funcionários públicos, entre
outros tipos comuns de uma São Luís simplória, espontânea e pacífica.
Fim de tarde, os frequentadores começavam a ocupar as calçadas do Adalberto |
Nos anos
90 e começo dos 2000, era batata. Ninguém precisava marcar encontro. Se a gente
queria encontrar algum amigo, era só passar por lá em qualquer dia da semana.
Em 2002,
para melhorar o visual do bar, fizemos uma divertida intervenção “estética” no
estabelecimento. Foi num sábado e vários artistas colaboraram com a causa,
entre os quais, o jornalista que vos escreve, Junior Aziz, Cláudio Vasconcelos,
Márcio Vasconcelos, Paulo César, Romana Maria, Gutemberg Wendell, Bin Laden da
Praia Grande, Carolina Cécio, José Siqueira e Janete. Alguns anos antes, o
poeta Paulo Melo Souza já tinha feito algumas atividades para arrecadar
dinheiro com o intuito de melhorar o espaço.
Além dos
já citados, muitas pessoas famosas, ou não, frequentaram aquele boteco. Vou
tomar a liberdade de citar outros amigos e conhecidos, que estiveram presentes
no local em diferentes épocas: Geraldo Iensen, Dyl Pires, Cynthia Martins,
Rafael Bavaresco, Wilson Marques, Wilson Martins, Ed Wilson, Riba do Poeme-se,
Ópera Night, Totó, Sotero Vital, Mauro Manco, Marcos Magah, Marla Silveira,
Nauro Machado, José Maria Nascimento, Zé Maria Medeiros, Ana Gissele, Célida
Braga, Raimundo Garrone, Moisés Matias, Valdelino Cécio, Maria Teresa Trabulsi,
Cassandra Rodrigues, Hugo Benigno, Márcia Torres, Mondego, Joscelmo Gomes e
Elício Pacífico.
Também
beberam no estabelecimento Chiquinho, Safira, Hélio Martins, Márcio Loiro,
Cláudio Terças, Cláudio Farias, Beto Matuck, Amélia Cunha, Muniz (tio de Alê
Muniz), "O Italiano" (que era austríaco), Zequinha, Tião, Bolão,
Morcegão, Jorge Nascimento, Fidel, Cibica, Cláudia Matos, Zé Inácio, Fontenele,
Moisés Nobre, Márcio Jerry, Fumaça, Gonzaga, Marcelino, Lindinha, Jonilson
Bruzaca, Jorgeana Braga, Carlos Pança, Marco Pólo Haickel, Joacy James, Joyce
Oka, Sandra Cordeiro, Romana Maria, Adélia (gaúcha), Norma Regina, Samartony
Martins, Joedson Silva, Mayron Régis, Rogério Pixote, Luciana Simões (com 17 anos),
Angelo Passos, Ubiratan Teixeira, José Ewerton Neto, Fernando (dentista),
Herick Murad, entre tantos outros.
Ah, foi
lá que surgiu A Vida é Uma Festa, criada por Zé Maria Medeiros. Aliás, foi o
último suspiro do boteco. Depois que a brincadeira mudou de sede, o local
entrou em decadência.
Sobre o
seu Adalberto sabíamos que ele morava no São Francisco e que tinha sido garçom
do famoso Moto Bar - que reinou na vida boêmia da cidade nas décadas de 50 e 60
- e do Restaurante Palheta do Aeroporto, frequentado pelas famílias abastadas
nos anos 70. De vez em quando, ele se recordava de algum período de sua
trajetória e nos contava, com voz baixa, alguma história vaga, que de alguma
forma nos emocionava.
A cena
cultural que acabei de recordar não existe mais. Em poucos anos, a cidade se
transformou num espaço repleto de falso glamour, violência e consumo. As
pessoas se dispersaram (muitos desapareceram), o bar fechou por volta de 2007 e
seu Adalberto morreu no último domingo.
11 comentários:
Grande texto, grandes memórias. Ao ler e ver as fotos as boas lembranças vem à mente. Era realmente "sagrado" passar no bar de seu Adalberto ao menos uma vez por semana, ao sair da Ufma. Tomei muitas, tanto com Ed, quanto com Eduardo, grande abraço.
Bacana Ed esses retratos do cotidiano que nos transportam para ambientes especificos, cheios de vida e exclamações. Publique mais vezes essas coisas. São Luis é uma mistica!!!!
O mundo, esse lugar injusto, assim como o tempo... Tudo se esvai... E eu que amo a Praia Grande, mas ela como as mulheres que amei: tá lá, longe, no passado, num espaço/tempo inacessível e inesquecível. Que o cosmos bem receba o velho Adalba, com sua "gentileza" peculiar. Um abraço a todos os citados no texto, lembro de todos e de mais umas dúzias.
Gerald Iensen
Lembro-me como se fosse hj desse local fenomenal....me vieram muitas lembranças boas na memória...verdade agente se encontrava lá e nem tinha celular... mas todo mundo se encontrava lá....Seu Adalberto vá em paz...:)
Lembra quando a gente saia da especialização e se encontrava lá? Geraldo sempre estava por lá.
E eu! Batia ponto, nos finais de tarde, no bar do seu Adalberto. Bons tempos. Bela homenagem ao senhor Adalberto. Que o bom Deus traga o consolo à sua família. Eudardo e Ed Wilson!
Moisés Matias
"Naqueles tempos, a Praia Grande era um espaço lúdico e sereno. Estava longe de se tornar reduto de ladrões e de viciados em crack. A malandragem era outra. Artistas e universitários disputavam espaço nos botecos, dando luz à vida boêmia da cidade."
Ed, quero te dizer que a Praia Grande continua sendo um espaço lúdico e sereno, que há mais ladrões nos palácios que lá que é habitada por feirantes, comerciantes, artistas, funcionários públicos, que a malandragem continua a mesma despejando nas ruas do Centro Históricos pessoas que são desassistidas de tudo, saúde, trabalho, moradia, educação. que a Juventude frequenta sim a boemia dos nossos casarões. Interessante, tenho notado que quem deixa de frequentar pensa que acabou.
Também tomei muitas cachaças por lá,infelizmente esse alto índice de violência na Praia Grande é resultado do que acontece hoje nas grandes concentrações de turistas,notívagos a procura das baladas,hippies,menores delinquentes,drogados consumidores da mais marginal de todas as drogas e os trabalhadores da noite(garçons,artistas,etc).Tudo isso sem o mínimo de uma verdadeira segurança que garanta o ir e vir dos frequentadores.A crise social e as drogas disseminaram toda essa violência,embora a resistência cultural e o amor dos ludovicenses
afloram juntos com a beleza da nossa Praia Grande.
Caro Zé Maria,
O distanciamento é necessário para que se perceba melhor a realidade. O texto faz um recorte de um tempo e local específicos. Quer um exemplo: não sobrou nenhum boteco aberto na rua atrás do Odylo.
A Vida é Uma Festa é outra questão exemplar. Há poucos anos, a brincadeira reunia centenas de apreciadores. Hoje, o público é pequeno, embora a programação seja quase a mesma. Alguém sabe explicar o que aconteceu?
E mais: ladrões em palácios, no Brasil, sempre existiram em bandos. Na Praia Grande, eles não passavam por perto no período tratado no texto, que, aliás, foi longo.
Nossa esse texto trouxe muitas lembranças boas de umaturma de amigos realmente especiais.
É muito interessante ver como a memória pinta o passado e o presente.
Eu, por exemplo, fui muito no A vida é uma festa. Antes disso, quando legalmente eu nem tinha idade pra estar lá, frequentei o Chez Moi (quando ainda era um bar onde a gente bebia sentado, e o dono do cyber bar trazia uma cachaça do avó dele, lá de não sei qual interior). Tomei muita cachaça no Corinthiano. Curti muita música autoral de qualidade no Odeon Sabor e Arte e no já citado a A vida é uma festa. Ouvi muita poesia anonima nos cantos ébrios daqueles casarões. Discuti política em todos os lados. Isso, sem falar, por exemplo, no festival BR 135 e na recém inaugurada Casa da Mãe Joana...
Minhas memórias, porém, são de 2000 e muito pra cá.
Tem muita coisa boa acontecendo aí.
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