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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O TREM DOS MISERÁVEIS

Revista Época

A Estrada de Ferro Carajás, um dos maiores projetos de infra-estrutura da Amazônia, transporta os minérios e a pobreza da região 

Bernardino Furtado, de Açailândia (MA)

Um apito longo no fim de tarde anuncia a chegada do trem. Raimunda Oliveira de Souza começa a correr. Sente o esforço. Aos 42 anos, rosto vincado de rugas, parece sexagenária. Equilibra numa tampa de papelão seis retângulos de alumínio. Chamam-se "bandecos". Em Alto Alegre, assim como em todo o interior do Maranhão, a palavra é o diminutivo de bandeja e dá nome ao conteúdo: tomate picado e arroz, acompanhados de pedaços de frango, peixe, carne de boi ou de tatu. O preço, R$ 1. Junto com Raimunda correm outras 50 pessoas. Dispõem de três minutos para cercar nove vagões. Gritam suas mercadorias.

Na ponta dos pés, os braços estão esticados ao máximo. Antes do novo apito, anúncio inapelável da partida do trem de passageiros, o grupo de vendedores se esgueira perigosamente entre as rodas dos vagões para chegar a possíveis clientes do outro lado.

O comércio de aflitos revela um choque de resultados. Cerca de US$ 1,4 bilhão em investimentos oficiais abriu entre 1982 e 1985 os 900 quilômetros da moderna ferrovia que liga o mar à serra. A obra foi planejada para transportar a riqueza do Projeto Carajás, a maior província mineral do planeta. Passados 15 anos da inauguração da malha de trilhos, por eles se transportam minérios e miséria. Ali corre o Trem dos Miseráveis.

Segundo a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), 43,1% dos maranhenses vivem abaixo da linha de pobreza - ganham menos de US$ 30 (cerca de R$ 50) por mês e não têm renda suficiente para comprar o mínimo de alimentos recomendados pela FAO, o fundo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação encarregado de políticas agrícolas e de nutrição. A pobreza do Estado do Maranhão torna-se visível no trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás. Em geral, quem está no trem Carajás-São Luís recebeu a passagem de um político amigo. Fazem o pedido dizendo querer experimentar o que chamam de viagem turística. O bilhete custa R$ 5.

Da janela do trem vê-se a linha persistente de casebres de paredes de pau-a-pique e telhados trançados com palha de babaçu. É a habitação predominante das cidades e povoados ao longo da ferrovia. Dentro dos vagões, de pé nas poltronas ou de cócoras nas varandas, os passageiros devoram seus bandecos.

Os sinais da pobreza estão estampados no desembarque de Raimundo Pereira Silva e Maria Alice Silva na estação de Altamira. Foram até Santa Inês, 102 quilômetros ao norte dali. Têm 14 filhos. Maria Alice sustenta num dos braços Laureana, 22 dias de idade. No outro, uma sacola com roupas. Raimundo carrega um saco com 40 quilos de mantimentos e utensílios doados por parentes. São 10 quilômetros até a casa de barro. Vão a pé, seguindo os trilhos da ferrovia. Se tivesse emprego fixo e salário certo, Raimundo poderia ter usado os serviços de uma das carroças de boi que fazem ponto em estações como a de Altamira. Custaria R$ 2. "Preferi não gastar. Neste ano ainda estou ajeitando a vida", diz.

Raimundo chegou a Altamira em 1996. Deixou para trás a cidade de Monção, nas proximidades de Santa Inês. A lavoura não ia bem. Vendeu o que tinha e agora planta em terras alheias. Dá 20% da produção ao dono da terra. Pagamento do aluguel da propriedade. No fim do ano, ainda esperando a boa hora para o plantio da próxima safra, vive de serviços avulsos. Quando os encontra, cobra R$ 5 de diária. A migração em busca de trabalho é responsável por boa parte do movimento do trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás. 

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