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domingo, 4 de outubro de 2015

OS PREGOEIROS DO COSMOS

Museu do Amanhã embeleza a praça Mauá, na região portuária do Rio de Janeiro
Igreja de São Bento, no centro do Rio, onde os monges celebram ao som de canto gregoriano
Os trovões rasgaram o firmamento a madrugada inteira. Às cinco horas da manhã, na praça Mauá, ouvia os sinos do mosteiro de São Bento anunciando as vigílias. Simultaneamente, aviões pousavam e decolavam no aeroporto Santos Dumont.

As turbinas dos boeings atravessavam os sons dos sinos. Dizem que o tempo não cessa. Mas, aquele instante congelou para escutar o passado e o futuro.

Há séculos os sinos cantam a Deus. Outros deuses – os astronautas – criaram máquinas supersônicas para explorar o céu.

As badaladas do campanário e as turbinas dos aviões congelaram o presente. Naquele momento, eu me sentia na máquina do tempo, escutando simultaneamente os sinos e os zumbidos, os pregões do cosmos.

Isso é ubiquidade.

Somos grávidos do tempo – a caixa acústica do universo.

Os sinos bailam e cantam. São as trombetas de Deus.

As turbinas rompem a velocidade do som....

Quando a cidade amanhece, vários ruídos juntam-se à paisagem sonora do caos urbano: os apitos dos guardas de trânsito, as buzinas dos carros, as britadeiras dos operários, os pregões dos vendedores ambulantes.

Bum! Tudo começou com a grande explosão – o Big Bang, dizem os cientistas.

Na gestação do mundo, no princípio era o verbo, diz a Bíblia.

As mulheres grávidas cantam aos seus fetos. Quando nascem, as crianças choram. O som é a primeira manifestação da vida.

E da morte também. Choramos e rezamos sobre as perdas dos entes queridos.

O Grito da Independência, que nunca ouvimos, nos parece familiar.

Ainda hoje guardo no imaginário sonoro da minha infância os pregoeiros da rua Sousândrade, no Apeadouro: “Carvoeiro, carvão de varinha!” “Carvoeiro, carvão de varinha!”

Em São Luís, quando eu era criança e trovoava, diziam que Deus estava “ralhando” com a gente, por causa dos nossos pecados.

Na praça Mauá estão construindo o Museu do Amanhã.

Espero que guardem lá os sons dos sinos e das turbinas, das britadeiras e das serras elétricas.

São os registros acústicos da criação destrutiva e da destruição criativa.

A sinfonia do mundo ergue as coisas belas. A composição sonora do universo ajuda a entender a vida. O mundo encanta não apenas pelo que a gente vê. Mas, sobretudo, pelo que ouvimos.

Há séculos, os cantos gregorianos encharcam o espaço com a energia vibrante dos seus acordes, antes e depois dos sinos.

Embalado nas badaladas do tempo, ouço os sinos na praça Mauá atravessados pelas turbinas no aeroporto Santos Dumont.

A fé e a ciência no mesmo instante.

São os pregoeiros do universo anunciando, simultaneamente, o fim e o começo, o passado e o futuro.

Assim seja!

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