Em editorial e vídeo, o jornal Vias de Fato faz uma
retrospectiva da Fundação da Memória Republicana e questiona a manutenção do
memorial no governo Flávio Dino (PCdoB)
Editorial* - Chamem o caminhão da mudança!
São Luís, janeiro de 2016. O governo Flávio Dino mantém a
memória de Sarney dentro do Convento das Mercês. Após um ano da nova gestão,
não são percebidas mudanças relativas à invasão e golpe ocorridos em 1990, no
famoso e imponente prédio que ocupa, no Centro Histórico, uma área de 6500 m² e
teve sua construção iniciada no século XVII.
O problema começou e continua a partir da existência da
antiga Fundação José Sarney, novamente disfarçada com o nome de Fundação da
Memória Republicana. Foi com ela que o ex-senador do Amapá tomou posse do
imóvel e lhe transformou numa extensão da Ilha de Curupu. Trata-se de uma
instituição idealizada por ele há mais de 25 anos e reorganizada no último
governo de Roseana, ocasião em que foi denunciada pela Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB-MA). Esta denúncia da OAB foi apenas mais uma na folha corrida
desta Fundação, que já foi uma instituição privada e agora sobrevive camuflada
de pública.
Neste processo de usurpação do Convento, Sarney e a Fundação
tornaram-se uma coisa só. E é esta mesma Fundação - que tem uma vida marcada
por fraudes, farsas e esbulhos - que continua permitindo a presença de
documentos, presentes, livros, estátua, carros, fotos, vídeos e frases
impressas nas paredes, exaltando o insistente candidato a faraó. Segue a
afronta. E Flávio Dino prometeu que “devolveria o convento ao povo”. Hoje, em
janeiro de 2016, a promessa ainda não foi cumprida e ficam no ar as seguintes
perguntas:
Por que o atual governo não extingue a Fundação e tira o
acervo dela do Convento? A quem interessa a Fundação? À história da república
brasileira? À sociedade? Aos estudantes? Aos pesquisadores? À autoestima
maranhense? Ou ao oligarca que lhe idealizou? Em que outro lugar do Brasil tem
um espaço que reflita tamanho atraso e submissão política? O dinheiro do
contribuinte vai continuar financiando esta tentativa de fraudar a história? De
forjar uma biografia? Para a Fundação continuar existindo houve uma
conciliação? Por que segue tudo praticamente igual? Flávio Dino, que prometeu
mudança, vai consolidar a vinculação da memória de Sarney ao patrimônio
histórico? Será este o papel do “proclamador da república”? O atual governo vai
legitimar a falaciosa “memória republicana”. Ou Flávio Dino mudou de planos e
resolveu ser um primeiro ministro, na monarquia maranhense? Vai prevalecer,
então, a lei do quero, posso e mando? Alguém perguntou à sociedade, aos donos
do imóvel, se eles queriam entregá-lo? Por que os documentos ligados à fatídica
presidência não podem ser guardados em outro local? Qual o motivo? Tem que ser,
obrigatoriamente, no Convento das Mercês? É por que ele faz parte do
“patrimônio cultural da humanidade”? Esta é a razão? Esta é a vontade do “Dono
do Mar”? Ele ainda manda na província? Manda no atual governo? Qual é? Existe
algum pedido especial? Estamos mesmo num período de mudanças? Por que o
silêncio em torno do assunto? Cadê o atrevimento do começo do ano passado? Eram
bravatas?
Os museus são instituições que devem ter funções educativas.
Tiranos e chefes de quadrilhas, devem ser sempre denunciados (não cultuados),
independente se eles foram presidentes, papas ou comandantes do tráfico. Nesses
processos de construção de uma memória social, existem acertos entre homens de
poder. Mas, na história concreta, registrada no lado B deste mesmo disco, não
há entendimento entre a dor do oprimido, com o chicote do opressor.
No Maranhão, por exemplo, não dá para conciliar os traumas e
as cicatrizes dos torturados com a truculência do ex-presidente da ARENA, o
partido dos torturadores. Não dá para conciliar o sangue dos inúmeros
camponeses mortos com a memória de um padrinho da grilagem. Não dá para conciliar
a dramática resistência dos povos da terra com a de um aliado de enclaves e
madeireiros. Não dá para conciliar o grito dos que lutaram pela liberdade de
expressão com o poder de quem concentrou a mídia e usou e abusou da censura.
Não dá para conciliar o drama dos que morreram de fome com o mesmo grupo que
promove a miséria.
Enfim, é impossível atender ao interesse público num mesmo
espaço onde está sendo reverenciada, de forma direta e indireta, a memória de
um oligarca, mesma que esta reverência venha a se resumir a livros, presentes e
documentos doados... Não se muda uma sociedade com discursos em palanque,
propagandas na TV ou frenéticas mensagens em redes sociais. A mudança vem,
entre outras ações, junto a processos de formação, subvertendo uma cultura
política... Neste caso tratado aqui, o atual governador vacila diante de uma
questão simbólica, que seria bem simples de agir. Bastaria extinguir a Fundação
de Sarney, mudar o seu acervo de endereço e dar outra função ao prédio. Uma
função com verdadeira relevância social.
Mas, como isso ainda não foi feito, o Convento continua a
ser um símbolo a ser resgatado. Afinal, São Luís não precisa de um Taj Mahal da
vergonha. Em junho de 2013, bem antes da eleição, o povo gritou nas ruas:
“Sarney, ladrão, devolve o Maranhão!”. Flávio Dino já esqueceu? A dignidade não
faz conciliação com o fascismo, nem com a máfia. Vamos gente! Chamem novamente
o caminhão da mudança! Em janeiro do ano passado, ele certamente enguiçou a
caminho do Desterro...
*Editorial da 63º edição do jornal Vias de Fato (janeiro de
2016).
Um comentário:
Perfeito esse editorial. Passados esses 12 meses de governo, começa a se desenhar a cara da atual gestão que propagandeia e mascara.. propagandeia para dizer que temos números fantásticos daqui e acolá, e máscara a que custo esses números estão sendo alcançados e qual o modo operandis com exceção dos gastos do palácio do leões. Um passeio pelas secretarias de Estado e já se observa o despreparo das equipes, salvo raríssimas exceções, o que é muito preocupante porque ainda temos mais 3 anos de governo e os sarnas já se movimentam (vide liberação de um porto privado em São Luís que estava engavetado há anos) e com informações claras sobre esse "despreparo". Se o governo não deixar de mascarar gestores medíocres toda luta de 2013 e 2014 será em vão.
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