Nessa segunda-feira, 14 de março, Dia Nacional da
Poesia, acontecerá no Convento das Mercês, Centro Histórico de São Luís, a
partir das 16 horas, uma leitura de poesia com poemas de Nauro Machado, o maior
poeta maranhense contemporâneo, falecido nesta cidade no dia 28 de novembro de
2015. Na ocasião, uma das salas do antigo Convento das Mercês receberá o nome
de “Sala Nauro Machado”, numa justa homenagem ao poeta que adotou São Luís como
sua pátria.
Nascido em São Luís do Maranhão a 02 de agosto de 1935,
Nauro Diniz Machado construiu uma obra literária das mais respeitáveis dentro
do atual contexto da Literatura Brasileira contemporânea. Sempre morando na
capital maranhense, com pequena passagem pelo Rio de Janeiro na década de 50 do
século passado, ele se ombreia aos seus companheiros de geração mais imediatos,
como Ferreira Gullar e Bandeira Tribuzi. Filho de Torquato Rodrigues Machado e
de Maria de Lourdes Diniz Machado, casado com a escritora Arlete Nogueira da
Cruz, teve um filho, Frederico Machado, cineasta e entusiasta da obra do pai.
Sua biografia se confunde com sua criação poética, e o escritor tem exercido,
com frequência, influência marcante sobre os novos poetas maranhenses.
Habitando a cidade e por ela sendo umbilicalmente absorvido
ao longo de suas peregrinações etílicas e notívagas, assim como no percurso de
suas caminhadas silenciosas pela orla das praias ou pelas ruas estreitas de São
Luís nas quais gestava e ruminava seus poemas, o poeta se desvela a si mesmo:
“Meu espaço geográfico, restrito à cidade de São Luís, fornece aos poemas que
desenvolvo como catarse existencial de temas quase sempre vividos, a atmosfera
temporal de uma cidade a internalizar-se na ficção (como diria Fernando Pessoa)
biográfica dos meus variados temas. São Luís, queiram ou não queiram alguns
críticos desavisados da minha poesia, está transfigurada totalmente nas
metáforas que eu diria datadas, dos meus versos”, elucida Nauro Machado.
Desde o momento em que foi publicado o primeiro livro do
poeta (“Campo sem Base”, de 1958), a poesia maranhense viu apenas pouquíssimos
nomes brilharem com tanta intensidade quanto o dele. Com dezenas de livros
elaborados ao longo da sua vida, sua obra sofreu, naturalmente, uma viva
transformação, apesar da fidelidade do poeta ao seu estilo e às temáticas
abordadas. A poesia nauromachadiana é reflexo de uma voz ímpar, porém
ainda pouco visitada pela crítica especializada. Sempre se torna mais fácil
estabelecer uma visão impressionista da obra poética, pois um estudo mais
acurado é tarefa complexa, sobretudo numa construção literária com a
envergadura imposta por Nauro Machado à sua obra.
A Literatura sempre foi seu referencial de vida, como se
nota neste depoimento textual: “A poesia, para mim, é uma necessidade interior,
um caso de vida ou morte e não um simples pretexto para malabarismos vazios ou
teoremas que digam respeito apenas a um modismo falho e de autenticidade
duvidosa”, escreveu o poeta. Um poeta se revela, embora não totalmente, através
de sua obra. Trata-se de um jogo permanente entre o criador e a criatura. Um
jogo que se transforma, ou melhor, se transmuta ao longo do tempo naqueles onde
o sopro dos deuses pode ser captado. No centro de tal raciocínio deve ser
entendida a sua poesia. E a poesia é “feita de essências e medulas”, como
escreveu Ezra Pound.
O evento será aberto ao público. Serão disponibilizadas
folhas com poemas impressos do poeta homenageado, para que qualquer
participante possa ler os versos por ele tão solidamente elaborados. "Esta
é a primeira homenagem que fazemos ao poeta, após sua partida, e que será
sucedida por tantas outras que faremos ao longo dos próximos meses e anos; é
necessário que se tome consciência, cada vez mais, acerca do alcance profundo
que Nauro Machado impôs à sua obra, e da contribuição ímpar que deixou como
legado permanente à Literatura brasileira”, declara Paulo Melo Sousa, Diretor
do Convento das Mercês, articulador da homenagem.
Poemas de Nauro Machado
Radiação
Eu vi a glória nos lábios da eternidade.
Eu vi o universo inteiro na angústia do fogo
Pelo canto noturno, em galés da alvorada,
Eu vi os farrapos trêmulos da última estrela.
819
Abre-me as portas, mãe, enquanto as estrelas
buscam em mim agora a treva infinda,
sem luz alguma no meu olhar a vê-las
nessa cegueira a ser da altura vinda.
Assim, mãe, invado tua noite, a sabê-las
eternamente em pó na luz que é finda
só para mim, que vou comigo pelas
manhãs nascendo todas cegas ainda.
Como fazê-las ser de novo vivas?
Como, se nunca delas fui um conviva
às vidas feitas festas para as vistas?
Para arrancá-las da morte onde as pus,
quero essa noite, ó mãe, roubada à luz
do céu que, embora cega, tu conquistas.
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