Dino, Dilma e Maranhão: jogada ousada para cancelar a votação do impeachment na Câmara |
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), entrou
definitivamente na agenda política nacional. Dois fatores concorreram para esse
agendamento. 1- Ele já tinha trânsito na República, quando presidiu a
Associação dos Juízes Federais (Ajufe); 2 - Ao derrotar José Sarney na eleição
de 2014, fez valer uma passagem de Dom Quixote: “E o vencedor é tanto mais honrado
quanto mais o vencido é reputado”. Assim, Flavio Dino ganhou as manchetes da
mídia nacional por seu mérito erguido nos escombros do oligarca derrotado.
A convivência no Judiciário federal e os ensinamentos da
política no Maranhão subsidiaram o governador sobre a fragilidade dos poderes
na província, submetidos ao império de Brasília. Nesse contexto, o governo
dinista traduz a contradição da vitória eleitoral sem o controle dos cargos
federais nem maioria folgada na Câmara dos Deputados. No Senado o quadro piora,
porque até o aliado tático de 2014, Roberto Rocha (PSB), conspira para tomar o
Palácio dos Leões em 2018.
Mas, o ingresso de Flávio Dino na vida política nacional
ganhou visibilidade extrema no processo do impeachment da presidente Dilma
Roussef (PT), quando o governador assumiu a o papel de advogado geral da nação
petista, sob o argumento de que o pedido de afastamento é inconstitucional.
A razão é simples e de todos conhecida: se Dilma Roussef
cair, José Sarney retoma consideráveis fatias do poder nacional e vai operar o retorno
ao governo do Maranhão.
Nesse cenário, não resta outra opção ao comunista. A defesa
do mandato petista é fundamental para assegurar o sucesso da gestão no
Maranhão. Não apenas isso. Flavio Dino também se coloca como alternativa
presidencial de futuro, diante do vazio de lideranças no campo chamado
democrático-popular.
Assim, a empreitada dinista na defesa de Dilma enfrentou, a
um só tempo, o Judiciário, o Ministério Público, o poderoso PMDB, os tucanos e
a elite financeira da avenida Paulista. E Flávio Dino se contrapôs aos
principais poderes da República.
Aqui se encaixa a expressão “atravessar o Rubicão”. Na
história do Império Romano, o rio Rubicão tinha acentuada importância militar e
jurídica. Localizado estrategicamente, o curso d’água era uma espécie de
fronteira natural entre a cidade da Itália e a província romana da Gália
Cisplatina. Visando proteger a República da ameaça militar interna, um decreto
do Senado proibia que o Rubicão fosse atravessado por legiões do exército em
regresso pelo norte da Itália.
Em 49 a. C, o general Caio Júlio César transgrediu a lei do
Senado e atravessou o Rubicão. Esse ato constituiu uma declaração de guerra
contra Pompéia, que detinha poder sobre Roma. Ao cruzar o rio com seu exército,
César exclamou a frase que posteriormente ganhou popularidade: “Alea jacta est”
(A sorte está lançada). Deflagrada a guerra, César vence Pompeu e o Império
Romano ganha um capítulo especial na História.
“Atravessar o Rubicão” ficou associado a atitudes ousadas,
sem volta, intempestivas, corajosas, radicais. Pode significar ainda a tomada
de decisão perigosa, baseada no “pensar grande”, ultrapassando fronteiras, enveredando
por caminhos duvidosos e arriscados.
Depois da vitória eleitoral sobre José Sarney (PMDB) e o
decorrente agendamento na mídia nacional, Flavio Dino tem pensado grande. Ele
sabe que o potencial eleitoral de Lula será diminuído até 2018 e o destempero
verbal de Ciro Gomes (PDT) pode matar esta candidatura no nascedouro. O
prefeito de São Paulo, Fernando Hadad (PT), é uma opção, mas vai depender da
reeleição em 2016 e do sucesso da gestão, que será bombardeada pela mídia
tucana.
Assim, Flávio Dino projeta o cenário nacional atento à
escassez de quadros do centro-esquerda e se apresenta como herdeiro de uma
síntese política que pode convergir para um desejo maior de candidato a
presidente do Brasil.
Porém, o projeto presidencial só terá sucesso se a gestão
comunista no Maranhão tiver resultados concretos para Flávio Dino apresentar
como vitrine ao Brasil. Sem o apoio do governo federal, essa tarefa será
delicada e a grande empreitada comunista pode sofrer desgastes.
Na defesa do mandato de Dilma esses desgastes são evidentes.
Dino assume o ônus de advogar para o PT, mas não tem o retorno necessário. Os
cargos federais no Maranhão, que já estavam sob o controle de José Sarney,
agora serão revitalizados em uma operação de boicote ao governo comunista, a
começar por Sarney Filho (PV) no Ministério do Meio Ambiente.
O abandono das estradas federais do Maranhão, vide a BR-135,
é o principal exemplo do desgaste de defender o governo petista.
Dino assumiu ônus ainda maior, ao transformar o atrapalhado
deputado federal Waldir Maranhão (PP) em copiloto da travessia do Rubicão. O
governador comunista não só se contrapôs aos maiores poderes da República como
aliou-se a uma figura degenerada para dar um contra-golpe no processo de
impeachment.
Nesse capítulo, o agendamento positivo de Flávio Dino na
mídia nacional caiu vertiginosamente, ao orientar Waldir Maranhão em uma operação
desastrosa que arrastou ambos para a vala comum das manobras à la Eduardo Cunha
(PMDB), nas infinitas tentativas de livrar-se do Conselho de Ética.
Flavio Dino, o advogado brilhante, orador renomado e quadro
nacional do PCdoB emaranhou-se com um dos piores representantes do baixo clero
no Congresso Nacional, na (talvez) última tentativa de impedir o afastamento da
presidente Dilma.
É certo que esse episódio da travessia será guardado pelos
apresentadores de talkshow, jornalistas e articulistas das editorias de
Política da mídia nacional e internacional como um momento desfavorável do
governador comunista do Maranhão.
Passado esse episódio, o cenário pós-impeachment terá o
governador em situação delicada, após o confronto com a cúpula do Judiciário e
do Ministério Público, além da crise econômica e das dificuldades de recomposição
na eventual continuidade do governo Michel Temer (PMDB).
Na província Maranhão, os aliados conservadores que ajudaram
na vitória de Flávio Dino em 2014 já começam a fazer uma recomposição. Oriundos
do sistema oligárquico construído por José Sarney, figuras expressivas como o
ex-governador e deputado federal José Reinaldo Tavares (PSB) e o senador
Roberto Rocha (PSB), que sempre foram tucanos, já operam um campo político
formatado nas bases mais retrógradas da política local.
Tavares, inclusive, já propôs um pacto com José Sarney.
Essas forças retrógradas vão se apresentar a Michel Temer e aos tucanos como
interlocutores do Maranhão em Brasília e, posteriormente, logo em 2018,
oferecer um palanque local ao presidenciável da aliança PMDB-PSDB.
A travessia do Rubicão por Flávio Dino teve um custo muito
alto. Ao assumir radicalmente a defesa de Dilma e todo o ônus dessa tarefa, ele
provocou adversários em Brasília e jogou gasolina no fogo da sua base
conservadora no Maranhão.
Dino tomou uma decisão ousada, coerente e necessária à sua
sobrevivência política e também à melhoria dos indicadores sociais do Maranhão,
seu principal objetivo. Nisso ele acertou e agiu na coerência da aliança
nacional entre o PT e o PCdoB, desde 1989.
Excedeu-se na canetada de Waldir Maranhão. Mas, ele precisava
arriscar, lançar a sorte diante do dilema: ou salva Dilma ou será boicotado por
Sarney.
Se o impeachment for consumado, o governador comunista terá
dias difíceis. A travessia do Rubicão, ousada e necessária, está consumada.
Agora é aguardar o caminho natural do rio, correndo sempre ao encontro do
oceano, onde “o mar da História é agitado”, como diria Maiakóvski.
4 comentários:
Jornalista Ed Wilson
Quero parabenizar pelo texto, um dos melhores que li nos tempos recentes oriundo de uma pena local.
Gostei da análise e das citações históricas, espetacular, rico, poderoso, um texto para guardar.
Há uma versão que diz que a frase "Alea Jact Est" foi dita pelo general Marco Antônio ao invadir o Egito.
Perfeito professor! Só acrescento mais um "pedacinho" no excesso do arriscado jogo do orador renomado: colocar a frente do Itaqui um Waldir, digamos, "um pouco requintado" como capitão para conduzir o navio Maranhão. O resultado dessa travessia: sem os instrumentos de navegação e sem conhecimento empírico o inexpressivo capitão deixará o navio à deriva, enquanto a nova capitã aguarda para assumir o navio, troca-lo o nome (algo como Folia Mar) e curtir a viagem a estibordo. A federalização do Itaqui é questão de meses...
Sarney pretende tomar o porto e o Convento das Mercês.
Grato Mohammed, por gentileza, envie a versão sobre Marco Antonio.
Postar um comentário